quinta-feira, 9 de outubro de 2008 Tags: 1 comentários

OLHAR SEMIÓTICO: A cólera de Aquiles!

Você já assistiu ao filme Tróia, uma mega produção do cinema recente, com Brad Pitt no papel de Aquiles? Qual o olhar que você lançou para este filme? Pode enxergar o longa-metragem por detrás do filme? A trama subjacente a história? Foi um roteiro interessante, que revela uma temática semiótica das mais interessantes.

Os relatos da guerra são famosos. Dois livros célebres têm-na como tema. A Ilíada de Homero conta a guerra, e centra-se na ira de Aquiles. Virgílio argumenta sobre a guerra em passagens de sua epopéia Eneida, contando o que aconteceu com os troianos após a derrota, e mostrando a saga de Enéias, último herói troiano. Todavia, o relato de Virgílio é mais recente. Data do período áureo das letras romanas. Homero provavelmente nasceu em 850 a.C., e é ele então uma fonte primária dos acontecimentos. O que sabemos da guerra é que ele deve ter acontecido em meados do século XII a.C..


Neste período, o mundo era tomado por cresças múltiplas (quiçá ingênuas). Acreditava-se nas mais diversas divindades que regiam todas as coisas. Existia um Deus diferente para cada objeto. Estes deuses regiam o destino das pessoas. A qualquer momento as Parcas podiam cortar o fio da existência singular de qualquer indivíduo. Todos estavam à mercê do Olimpo...


Deixando estas informações de lado, vamos nos deter em alguns signos que são muito ricos. Primeiro, o questionamento magno oferecido por esta visão de Tróia. Em momento algum o filme mostra deuses governando o destino. Na verdade, há questionamento a respeito da efetividade divina sobre o que acontecerá com as pessoas. A vontade dos deuses, tida como onipresente e soberana é posta em xeque. Isto é forte principalmente nos dois personagens mais intensos da trama: Aquiles e Heitor.


Certa penumbra filosófica paira sobre Aquiles durante todo o filme. A fúria de Aquiles é histórica (“Cantai, ò Deusa, a fúria de Aquiles”; assim começa a Ilíada de Homero). A ira do guerreiro implacável é mítica! Mas o personagem é enriquecido com indagações sobre as crenças e atitudes comuns para a época. O Aquiles do filme foi humanizado, vê mais longe do que o personagem homérico. As causas que moviam pessoas e reinos eram insuficientes para Aquiles. Um homem cujo crédito em si mesmo tornava desnecessária uma multiplicidade de deuses. Se houvesse um Deus para Aquiles, seria a lâmina de sua espada. Era ela (aliada a sua habilidade com a mesma) quem decidia sua vida ou morte, e não algum ser maior que olha tudo de fora.


Deuses não lutam guerras! Por isto, Aquiles não os teme. O implacável herói tem tanta consciência sobre suas convicções que em uma das cenas mais interessantes do filme, o mesmo arranca a cabeça de uma estátua do Deus Apolo com sua espada. Heitor vê a cena. E se interroga muito sobre o acontecido. Apolo viu sua estátua ser decapitada. E não reagiu. Por quê? Serão suficientes as crenças de que o destino das coisas e pessoas é regido por divindades invisíveis?


Heitor torna-se signo da mutabilidade da qual uma crença é alvo. Afinal, se Apolo não reagiu a uma violência contra uma imagem sua, por que reagiria por outros motivos? Se o Deus não cuida de si mesmo, cuidará dos outros? Heitor percebe a fragilidade da crença manifesta por todos (do senso comum). Apolo decidirá realmente o futuro de Tróia? É sábio por o futuro de um povo nas mãos de um Apolo que não reage diante de um simples homem?


Mas voltemos a Aquiles. O herói desafia o destino. Na cena de mais próxima referência a uma divindade, temos Aquiles conversando com sua mãe. Sabe-se que Aquiles era filho da deusa Tétis. Ela aprece em uma cena anunciando o destino do filho. É sugerida a divindade, porém apenas implicitamente. Curioso, quando consideramos que a Ilíada é repleta de intervenções divinas, com os Olímpicos participando ativamente da guerra. No entanto, Tróia não é um longa-metragem sobre a soberania dos deuses. Tróia é um drama, ou antes, uma epopéia sobre a tragédia humana. Um episódio patético da vida de um homem: Aquiles...


A cólera de Aquiles é o motivo central do filme Tróia. O furor de um herói que escolhe ele mesmo o seu destino. O objeto do signo de destino não são os deuses. É antes, o ímpeto de Aquiles (herói que em momento algum da Ilíada é retratado como monstro, mas que aparece no filme como traços marcadamente humanos). Sua fúria determina suas escolhas. O herói grego tem ciência acerca do quebrantamento de seus adversários. Eles crêem no destino – Aquiles não. Crêem em diversos deuses – Aquiles desafia as divindades. O herói grego percebe que o interpretante dos signos destes deuses é hipotético (deuses não lutam!). Aquiles confia em sua espada, em sua destreza e em sua cólera. Assim o destino é edificado em cada batalha...


Pintura magnífica de um filme que tenta mostrar uma realidade humana redesenhada a partir das páginas míticas da Ilíada. Mesmo com cenário e personagens recriados, ao filme subjaz uma riqueza de signos maravilhosa. A fúria de Aquiles é o signo dos homens que se encontram diante de uma ambigüidade elementar: tomam as rédeas do próprio destino, ou as jogam nas mãos de outro ser. Guiar ou ser guiado, eis a questão! A lição derradeira do filho de Tétis é que a glória atingida com suor próprio está acima de qualquer conquista.



“Vencer sem perigo é triunfar sem glória. Quanto mais difícil for a obra, mais belo é o desempenhá-la.” (Antônio Frederico Ozanam)


Adriano José Gonçalves

1 Response to OLHAR SEMIÓTICO: A cólera de Aquiles!

Anônimo
20 de outubro de 2008 às 13:46

olá filósofo!
Adorei sua postagem e realmente fiquei feliz em ter tido a oportunidade de debater anteriormente com você sobre esse tema, foi uma aula que mudou a minha interpretação a respeito principalmente do filme tróia. Como sempre é evidente que seus conhecimentos enriquece aqueles que faz parte do seu convívio. Parabéns e até a próxima aula.

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