terça-feira, 17 de fevereiro de 2009 Tags: 0 comentários

O “Véu de Maya”

No oriente, conta-se que no princípio algumas divindades passeavam livremente pela Terra. Uns manifestavam-se em carne e passavam algum tempo com os seres mortais. Outros se exprimiam sem se misturar. Ficavam na moradia dos templos, apenas observando. Há quem diga que certa divindade jamais foi avistada por homem algum. Chamava-se Maya. Nunca saia de sua morada. Todavia, a curiosidade acabou levando algum sujeito a invadir o templo de Maya. Ele esperou que ela fosse descansar. Quando Maya adormeceu, ele foi até ela e lhe tirou o véu que cobria a face...
Neste dia o homem descobriu a verdade. Caindo o “Véu de Maya”, caiu com ele a ilusão. O mundo de aparência que cerca os seres humanos desde os primórdios. O mundo como representação e ilusão.
Na antiguidade, os filósofos e poetas romanos, e depois os teólogos escolásticos, todos seguiram em busca da divina veritas ou veritatis. A busca pela verdade movera todos os tipos de pensadores e agitadores culturais. Platão havia feito a idéia de verdade alcançar considerável primazia no campo filosófico. Mas Sócrates já se perguntava sobre ela. Santo Agostinho a identificara com Deus (a Suma Verdade). Aristóteles e Santo Tomas de Aquino a consideraram metodicamente.
Dá para perceber como este conceito é importante? Físicos e matemáticos se ocupam dele faz séculos, tentando delineá-lo. Uns falam em adequação entre idéia e ideado; outros falam em possibilidade de falsear. Há quem diga que só é verdade o que é experimentável, ou útil, ou falível. No fim das contas, existem muitas verdades querendo tornar-se a verdade geral ou final...
O importante aqui é evitar as simplificações. Verdade não é apenas antônimo de mentira. Talvez nem seja. Mário Quintana dizia que “mentira é apenas uma verdade que ainda não aconteceu”. Todavia, algumas acontecem. Nietzsche chamava atenção para o fato de que as verdades não são eternas. Tentam empurrar-nos miríades de coisas como verdade imutáveis, perenes, eternas. No entanto, uma das poucas ocorrências permanentes neste mundo é exatamente a mudança.
Alguns filósofos discursavam sobre a existência de duas verdades: as de fato e as de razão. Estas seriam verdades necessárias, cujo oposto é impossível. Aquelas por sua vez seriam contingentes, cujo oposto é possível. Kant ensinava que a verdade são as coisas em si mesmas (noumenon), porém só percebemos os fenômenos (phaenomenon), isto é, aquilo que nos surge depois da síntese do entendimento, sendo as coisas em si mesmas incognoscíveis. Husserl dirá que após a redução fenomenológica, o que aparece, o fenômeno, é a própria coisa em si mesma.
Hegel identificava verdade e realidade. Para ele, ser e pensar são uma só e mesma coisa. Schopenhauer pronunciava que a única verdade é que tudo é representação. Diz ele na abertura do seu principal livro: “O mundo é minha representação dele”. Mas o que é uma representação? Seria um conteúdo concreto (apreendido pelos sentidos, pela imaginação, pela memória ou pelo pensamento)? Ou seria o “Véu de Maya” (uma ilusão)?
Não importa aqui propriamente o mais perfeito conceito de verdade. Dentro do cotidiano publicitário o que tem relevância é a capacidade do comunicólogo usar as informações. Um dos mais eficazes procedimentos para a criação de uma campanha publicitária para uma empresa engajada em algo é justamente desvelar algumas verdades. O véu que encobre informações pode ocultar enorme potencialidade. E os exemplos são vários...
Reparou como o Banco Bradesco tem falado sobre a Fundação Bradesco? Note o seguinte: a Fundação Bradesco não é uma novidade. A iniciativa é relativamente antiga. Mas por que o Banco tem explorado muito a divulgação destas iniciativas apenas recentemente? A resposta é simples: por que esconder verdades significativas que podem agregar valor ao Banco?
O aclamado comercial Hitler da Folha de São Paulo imortalizou uma frase: “é possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”. E realmente é! Tentar manipular o consumidor mediante um jogo de verdades e mentiras é arriscado e pode ocasionar sérias consequências. Cuidado com as mensagens que serão difundidas. Uso inadequado de palavras e manipulação de informações pode arrasar uma campanha. O consumidor de hoje é inteligente e ele merece respeito, não nos esqueçamos disto.
Infelizmente, o “Véu de Maya” não pode ser completamente retirado. Por trás desta ilusão aparente esconde-se muita podridão (vide o documentário “Além do Cidadão Kane” ou o filme “O Quarto Poder”). A informação é bela. Todavia, alguns se proclamam donos dela, e a maltratam. O “Véu de Maya” esconde vários rostos. E muitos deles são deformados. Oxalá isto mude no futuro...
Até a próxima...

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